...........................................................Era Dia de Reis
O Belchior estava farto de estar em casa a ver televisão. Mas foi justamente a televisão que lhe deu uma ideia. E se fosse com os amigos cantar as Janeiras? Já se tinham treinado nas aulas de música, agora era só ganharem coragem para o fazerem de porta em porta.
- Avó, posso ir dar uma volta? Não venho tarde.
Depois de lhe fazer mil e uma recomendações, a avó lá deixou e o Belchior foi à procura dos colegas. Não encontrou a Rita nem a Mafalda. O João tinha ido ao médico e o Gonçalo saíra para a natação. No caminho passou pela loja dos chineses e deu de caras com o Gaspar, que ajudava os pais, e com o Baltasar, que devia ter ido às compras.
- Vocês não querem vir cantar as Janeiras?
- Deve ser bué de divertido – entusiasmou-se o Baltasar. – Em Cabo Verde não havia disso.
O Gaspar, muito previdente, foi buscar um cesto para guardarem as ofertas e até trouxe umas pandeiretas da secção de brinquedos.
E lá partiram os três.
A primeira paragem foi junto do portão da professora. O Baltasar, sem vergonha, fez-se ouvir:
Ainda agora aqui cheguei
E já pus o pé na escada.
Logo o meu coração disse:
Aqui mora gente honrada.
A professora Rosa mandou-os entrar e deu-lhes uma mão-cheia de rebuçados.
A seguir, foram visitar o senhor Alberto, velhote de poucas falas, que lhes deu uma corrida.
- Avarento – balbuciou o jovem oriental. Mas Belchior, sem papas na língua, cantou-lhe:
Trinca martelo
Torna a trincar
Barbas de chibo
Não tem que nos dar.
Correram a rua direita e mais algumas travessas. Num instante viram o cestinho cheio de castanhas, nozes, chouriços, várias gulodices. E não faltavam sequer as moedas.
Por fim, bateram a uma porta desconhecida:
Boas festas, boas festas,
Nós aqui as vimos dar
Às pessoas desta casa
Se as quiserem aceitar.
Veio abrir-lhes a porta uma rapariga nova, muito pálida.
- Entrem – disse ela. – Desculpem não vos poder ajudar. Vim agora da maternidade e gastei o pouco que tinha em leite para o bebé. Mas quero que levem uma lembrança.
Ofereceu-lhes uma estrela-do-mar que estava em cima da mesa.
- Podemos ver o menino? – perguntou o Gaspar.
O bebé, muito rosado e pequenino, não tinha berço. Dormia numa alcofa. Os três rapazes, um branco, outro negro, o terceiro asiático, ajoelharam-se para o verem melhor.
Olharam uns para os outros e, sem dizerem uma palavra, despejaram o cesto aos pés do menino.
- Vocês são os três Reis Magos! – exclamou a rapariga, com os olhos húmidos. – Como se chamam?
- Baltasar, Gaspar, Belchior.
Luísa Ducla Soares, "O Livro das Datas"
O Belchior estava farto de estar em casa a ver televisão. Mas foi justamente a televisão que lhe deu uma ideia. E se fosse com os amigos cantar as Janeiras? Já se tinham treinado nas aulas de música, agora era só ganharem coragem para o fazerem de porta em porta.
- Avó, posso ir dar uma volta? Não venho tarde.
Depois de lhe fazer mil e uma recomendações, a avó lá deixou e o Belchior foi à procura dos colegas. Não encontrou a Rita nem a Mafalda. O João tinha ido ao médico e o Gonçalo saíra para a natação. No caminho passou pela loja dos chineses e deu de caras com o Gaspar, que ajudava os pais, e com o Baltasar, que devia ter ido às compras.
- Vocês não querem vir cantar as Janeiras?
- Deve ser bué de divertido – entusiasmou-se o Baltasar. – Em Cabo Verde não havia disso.
O Gaspar, muito previdente, foi buscar um cesto para guardarem as ofertas e até trouxe umas pandeiretas da secção de brinquedos.
E lá partiram os três.
A primeira paragem foi junto do portão da professora. O Baltasar, sem vergonha, fez-se ouvir:
Ainda agora aqui cheguei
E já pus o pé na escada.
Logo o meu coração disse:
Aqui mora gente honrada.
A professora Rosa mandou-os entrar e deu-lhes uma mão-cheia de rebuçados.
A seguir, foram visitar o senhor Alberto, velhote de poucas falas, que lhes deu uma corrida.
- Avarento – balbuciou o jovem oriental. Mas Belchior, sem papas na língua, cantou-lhe:
Trinca martelo
Torna a trincar
Barbas de chibo
Não tem que nos dar.
Correram a rua direita e mais algumas travessas. Num instante viram o cestinho cheio de castanhas, nozes, chouriços, várias gulodices. E não faltavam sequer as moedas.
Por fim, bateram a uma porta desconhecida:
Boas festas, boas festas,
Nós aqui as vimos dar
Às pessoas desta casa
Se as quiserem aceitar.
Veio abrir-lhes a porta uma rapariga nova, muito pálida.
- Entrem – disse ela. – Desculpem não vos poder ajudar. Vim agora da maternidade e gastei o pouco que tinha em leite para o bebé. Mas quero que levem uma lembrança.
Ofereceu-lhes uma estrela-do-mar que estava em cima da mesa.
- Podemos ver o menino? – perguntou o Gaspar.
O bebé, muito rosado e pequenino, não tinha berço. Dormia numa alcofa. Os três rapazes, um branco, outro negro, o terceiro asiático, ajoelharam-se para o verem melhor.
Olharam uns para os outros e, sem dizerem uma palavra, despejaram o cesto aos pés do menino.
- Vocês são os três Reis Magos! – exclamou a rapariga, com os olhos húmidos. – Como se chamam?
- Baltasar, Gaspar, Belchior.
Luísa Ducla Soares, "O Livro das Datas"
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